A RESTAURAÇÃO DO CHAMADO
Muitas vezes, a vida é tão doída que nos faz
querer deixar tudo aquilo que acreditamos e seguimos até aquele momento.
Desejamos fugir, apagar nosso passado, reescrever nossa história, fazer de
conta que nada do que já nos aconteceu existiu. Buscamos solução, e aos nossos
olhos é algo inalcançável. Não temos direito ao perdão, a uma nova chance.
Preferimos crer que nossas habilidades, conhecimento, beleza, bens ou outro
atributo qualquer nos farão prosperar por nós mesmos. Esquecemos até de Jesus,
das suas promessas e projetos para as nossas vidas.
No Evangelho de João, cap. 21, vemos a história
dos discípulos de Jesus que apesar de terem visto que o Senhor tivera
ressuscitado, seus ânimos estavam abalados. Assim como o povo de Israel no
deserto desejaram voltar para o Egito, eles se moveram em direção ao passado, a
fazerem aquilo que tinham sido orientados a mudar o foco.
Dos 07 discípulos que ali estavam 03 deles eram
mais próximos de Jesus, a saber: Pedro, Tiago e João. Segundo Terranova (2010),
esses 03 simbolizavam respectivamente: a igreja, a família e o discipulado,
áreas cruciais para o Evangelho. Eles estavam como principais líderes
influenciando os demais a voltarem a pescar peixes. Se verificarmos em Mateus
4, 19. Jesus chamou os discípulos, antes pescadores de peixes, a pescarem
homens, espiritualmente falando. Não que o trabalho secular seja proibido aos
pastores, pois o próprio Paulo trabalhava tecendo redes, mas o foco estava
errado, eles fizeram o que faziam no passado e isso não agrada a Deus. Apesar
do encontro que acabaram de ter com o Senhor, seus olhos ainda não estavam
completamente abertos para o chamado que eles tinham.
Sempre que queremos resolver as coisas com a
força dos nossos braços acontece a desilusão. Eles nada apanharam. Na verdade,
tomaram uma dura surra no seu ego. Passaram a noite toda em vão.
Vemos também que o Senhor não participa dos
nossos erros. Jesus só apareceu quando eles voltaram do mar, mas não se deixou
reconhecer. Interessante ver que Ele não os repreendeu, mas os fez perceberem
que quando fazemos as coisas debaixo da autoridade, permissão e ordem do Senhor
toda a nossa realidade muda. Eles foram orientados a jogarem novamente sua rede
ao mar, à suas direitas, e encheram suas redes de peixe, de tal forma que não
poderiam puxar.
Ao se revelar, Pedro foi o primeiro a se vestir e
ir ao encontro do Senhor. Percebemos que o pecado expõe a nossa nudez, e não
conseguimos encarar a Jesus vivendo nossos erros. Chegara o momento dele ser
restaurado, era chegada a hora da cura daquele pescador.
Daqui a pouco voltaremos a Pedro. Por enquanto,
vamos analisar outra história de quase desistência.
Em Lucas 24, 13-35, vemos a história de dois
discípulos em fase de desistência. Posso imaginar a decepção deles da seguinte
forma: Antes de Jesus vir ao mundo de forma corpórea, muitos outros apareceram
dizendo ser o Cristo. Eles agregaram discípulos, mas foram presos, mortos e
seus seguidores se dissiparam. Quando Jesus apareceu, creio que os familiares
desses dois discípulos, e seus amigos, os aconselharam a não irem, pois seria
mais um engodo, uma decepção. Eles não ouviram o conselho e foram. No entanto,
aparentemente ocorreu o mesmo que com os outros “Cristos” e que os próximos a
eles tinham avisado. Jesus foi preso, morto e seus seguidores fugiram. Agora
eles tinham que lidar com a decepção de voltarem para a casa, derrotados, e
terem de encarar a todos aqueles que eles deixaram para trás. Mas percebam que
quando temos uma promessa em nossa vida, se nos mantivermos no princípio divino,
não morremos sem que ela se cumpra. Foi assim com Simeão, conforme Lucas 2,
25-35. Conta a história que esse levita não estava escalado para trabalhar
naquele sábado. Mas ele tinha a promessa de ver a Jesus com seus próprios
olhos. Ele já era velho, e há muitos anos esperava confiantemente o cumprimento
dessa promessa. Aconteceu que a pessoa escalada não pôde ir ao templo, e
chamaram apressadamente a Simeão para substituí-lo. Quando ele chegou para
desempenhar suas atividades, aparecem Maria e José com Jesus para apresenta-lo
no templo. A promessa se cumpriu em sua vida, porque ele esperou pacientemente
no Senhor (Sl. 40, 1).
Voltando aos discípulos de Emaús, quero ressaltar
alguns pontos que julgo importante:
1 – Quando se sai do caminho, da rota estabelecida
por Deus, nossos olhos ficam cegos para a revelação divina (vv. 16);
2 – Não se consegue crer nas coisas divinas
quando se está de volta ao passado (vv. 15-24);
3 – Não existe alegria verdadeira longe de Jesus
(vv. 17);
4 – Apenas um dos dois discípulos teve o seu nome
citado (vv. 18). Devemos nos esforçar para que nosso nome seja lembrado
positivamente na história, mas principalmente que ele esteja escrito no Livro
da Vida;
5 – Jesus permite que nossos olhos se fechem para
que enxerguemos com nosso espírito. Quando os olhos espirituais não se abrem
naturalmente, Deus nos concede a graça que eles sejam abertos (vv. 30-32);
6 – O Senhor sempre se revelará através da Sua
palavra (vv. 25-27). Nada que aconteça que não esteja respaldada na Bíblia deve
ser considerado;
7 - Após o reencontro com Jesus, a fé foi
renovada, e eles nem quiseram se contaminar com o passado. No mesmo instante
retornaram para a rota da qual estavam desistentes (vv. 33-35).
Voltando à história de Pedro, chegou a hora dele
ser restaurado. Fomos ensinados que o lugar da nossa dor é o lugar da nossa
cura. É duro termos que reviver o passado, pois muitas vezes cremos que o que
aparentemente está esquecido está solucionado. Mas não é bem assim.
Pedro viveu a experiência de um choro amargo quando
negou a Jesus 3 vezes. A alma ferida é mais difícil de ser curada do que a dor
física, mas Deus quer e pode curar. Durante a negação, Pedro simbolizou o
discípulo que trai o seu mestre negando que o conhece ou que alguma vez o tenha
conhecido. Conforme Terra Nova (2010), sempre existirá um“galo” para aqueles
que desonram seus líderes serem confrontados em sua alma. Observemos que o
momento da dor de Pedro ocorreu em frente a uma fogueira.
Jesus é especialista em ter seus métodos próprios
para nos tratar no nível da nossa necessidade. Ele sabia que Pedro era valioso
para Sua obra, e que da forma que ele estava o resultado seria danoso, afinal,
outros seis discípulos estavam sendo influenciados negativamente por ele
(vv.3).
O Senhor permitiu que eles pescassem primeiro sem
sua Palavra, e foram decepcionados. Depois, sob seu comando, eles pescaram
milagrosamente, mas o Senhor não comeu do peixe da incredulidade, pois já tinha
os seus próprios na brasa esperando eles voltarem. E justamente ai, em frente a
fogueira, que ocorreu o maior milagre na vida de Pedro.
Pedro foi confrontado em sua dor. Fez com que a
sua memória fosse reativada para que ocorresse a cura. Jesus fez ele confessar
a sua falha e assim foi curado. A partir daquele momento, a fogueira já teria
outro sentido em sua vida, ao invés da dor, a cura. Conforme Terra Nova, “[...]
para cada desonra, cada negação, uma restituição” (2010, p. 206). De acordo a
alguns teólogos, o termo “amor” usado por Jesus tinha uma conotação diferente
da usada por Pedro. No hebraico, o termo usado por Jesus tinha o sentido Ágape,
amor verdadeiro, divino. Já Pedro, usou o termo philos, isto é, amor
fraternal, de amigo. Então, o diálogo ocorreu mais ou menos assim:
·
Pedro,
tu me Ágape?
·
Jesus,
tu sabes que eu te philos.
·
Pedro,
tu me Ágape?
·
Jesus,
tu sabes que eu te philos.
·
Pedro,
tu me Ágape?
·
Senhor,
tu sabes que eu te philos.
Apesar disso, Jesus sabia que Pedro seria um vaso
valioso em sua mão, e Pedro percebeu que a promessa que recebera ainda esta
ativa. Jesus restaurou o coração e a confiança de Pedro, e este foi um dos
principais líderes da igreja que estava por nascer.
Concluo com algumas máximas que tenho aprendido
minha caminhada:
·
As
decepções pelas quais passamos podem alterar os nossos valores. I Co. 15,33 diz
que “as más conversações corrompem os bons costumes”.
·
Conforme
Terra Nova, “[...] quando negociamos nossa identidade, até o invendível perde o
valor para nós” (2010, p. 209).
·
Muitas
vezes, o que nos bloqueia está oculto em nosso inconsciente, e o diabo faz
questão que elas não venham à tona para a cura. É o quartinho escuro que temos
em nossa alma que nos faz negar a nossa identidade.
·
A
unção, a identidade e o manto que Jesus tem para nós não tem preço.
Bibliografia:
TERRA NOVA, René. A gênese da Honra. 1ª
ed., Semente de Vida Brasil, SP, 2010. 222 p.
Bíblia de Estudo Vida. ARA. 2ªedição. 1999.